sábado, 3 de janeiro de 2015

Ego alto (18+)

É. Típica segunda-feira braba. Deve ter um motivo maior, universal e homogêneo pra tantas pessoas no mundo odiarem esse dia. Stress logo cedo, no trânsito. Quando digo cedo, é tipo, bem cedo. Acordo as sete todas as manhãs, de segunda à sábado. Enfrento gente mal humorada logo cedo. Gente que com certeza não transa há uns dias. Só isso mesmo pra explicar tanto mal humor. Uma horinha na academia pra eu me sentir menos mal sobre todas as coisas que como durante a madrugada, no meu lanchinho habitual. Mais quarenta minutos de pilates, pra matar de vez a dúvida sobre os bolinhos de nozes com chocolate. Saio em busca de mais um dia. Mais um ganha pão. Menos dignidade quando me lembro que esse pão que eu ganho, deveria ser daqueles lights, integrais ou sei lá o que. Enfim.
Dia complicado no trabalho. Duas matérias pra revisar e entregar "praquele"estagiário novo da revisão final. Gatinho. Barba bonita. Cabelo desgrenhado. Perfume simples, mas marcante. Sorriso despreocupado, cheio de juventude e testosterona. Cara. Quando eu olho pra ele, um sinal de cuidado brilha dentro de mim. E minha deusa interior levanta da soneca em sua cadeira de praia, me olha feio e resmunga algo como "você já sabe né? Preciso nem falar. Mantenha-se longe, ser estúpido." Escuto com atenção o que ela diz. Muita atenção. Nela e naquele nó de gravata. Vontade de desfazer aquele nó. Hahaha. Em uma voltinha dramática, minha deusa se deita de novo em sua cadeira, me olha uma última vez, revira os olhos e sinto que ela desiste.
Saio pro almoço. Uma das matérias já está na em cima da mesa dele. Enquanto caminho, penso em várias formas sexys de eu entrando na sala dele, com uma caneta na boca, meus óculos quadrados de armação preta, cabelo preso em um coque mal preso. Me vejo entrando naquela sala. E tem outra coisa em cima da mesa, que não minha matéria...outra coisa a ser revisada....
Entro no restaurante de sempre. O da esquina de baixo. O pessoal do escritório se reúne sempre em um dos mais badalados restaurantes da nossa quadra. Hum. Prefiro o que eu vou mesmo. Tem um ar de interior, a comida é realmente caseira e o senhorio do estabelecimento sempre me deixa fumar um cigarro nos fundos da cozinha. É bom. Me sinto bem. Enquanto espero a cozinheira fritar alguma coisa que vai totalmente contra o que minha nutricionista recomenda, acendo um cigarro, me sento no banquinho de madeira e observo. As pessoas, os carros, os pássaros, o céu cinza. Ah São Paulo...vista sob qualquer ângulo, sob qualquer perspectiva, é linda. Única e misteriosa. Demorei pra me acostumar. Mas agora é meu lar.
Entro pra almoçar. Me dirijo à mesa no canto, a de sempre. Vejo de relance meu suco de caju geladinho em cima da mesa. Com um sorriso, penso em como minha vida rumou pra outros lados, assim do nada. De repente eu estou aqui, almoçando em um dia normal de trabalho, no coração econômico de São Paulo. Mas nem dá tempo de concluir o pensamento. Na mesa ao lado, antes oculta pelo pilar no meio do salão, vejo uma cena no mínimo interessante. Hum. O estagiário da revisão final. Sentado ali. Com o nó da gravata desfeito. Um copo de suco de alguma coisa vermelha em cima da mesa. E uma cadeira mais afastada do que o normal. Ele olha pra mim. Congelo, claro. Fingindo, de uma maneira péssima, que não o vi, volto meus pensamentos (ou pelo menos os que não estão fantasiando o motivo do rapaz estar ali), para a minha mesa. Me sento. O senhorio vem trazendo meu prato. Tentando parecer simpática ao invés de intrigada, pergunto a ele se conhece o rapaz. Ele me diz que não. Mas diz que ele perguntou pra um amigo que trabalha na cozinha, se eu (euzinha!!) sempre almoço ali. Engulo seco como quando a gente engasga com a saliva e se retorce pra conseguir voltar a ter voz. Recebo meu prato e agradeço com um sorriso, novamente. Ouvi dizer, ou li em algum lugar, que um sorriso abre portas. Bom. Então acho que um sorriso também faz com que pessoas "estranhas" te convidem pra se sentar junto à mesa. Porque foi exatamente isso que aconteceu. O rapaz se levantou, olhou pra mim e, quando teve certeza de que eu também estava olhando, fez um gesto com uma das mãos, indicando o lugar vago à sua frente. Congelei, parei, fiquei vermelha e com certeza fiquei de várias outras cores, porque o cidadão riu da minha expressão. Olhei pra ele. Respirei fundo e disse: "não, tudo bem, eu como nessa mesa desde que comecei a trabalhar lá no escritório." A resposta dele foi intrigante. Porque não foi uma resposta, foi uma ação totalmente inesperada. Ele pegou o copo com o suco de não importa o que, e se sentou na MINHA mesa. Isso. Porque ela é minha. Fiquei encarando aquela pessoa, até então completamente estranha e desconhecida. Aquela pessoa é ainda mais bonita assim, de pertinho como a gente tava. Fiquei sem ação. E ele percebeu isso. "Sempre fica sem graça quando alguém se senta à mesa com você?", foi o que ele disse. Em resposta: "Não. Sempre fico sem graça quando alguém me enfrenta assim, principalmente quando estou com fome. Mas admiro sua coragem." O prato dele chega. Arroz, fritas, bife e salada. Aaah....então ele também é um amante de coisas que minha nutricionista abomina. Hum. Quase considero ponto pra ele. Resolvo então, que ele não está ali. É uma miragem, um devaneio. Provavelmente causado pela fome, excesso de trabalho e falta de sexo. Começo a comer. Ele também. Comida vai, garçons vem, ele abre a boca pra falar afinal. "Faz tempo que trabalha no escritório?". E a partir dessa frase, tenho a hora de almoço mais divertida, bizarra e incomum da minha vida até agora. Descubro o nome dele. É Caio. E quando vou dizer o meu, ele diz antes. Epa. Então...ele já sabia meu nome. Ok... Na saída do restaurante, acendo um cigarro. Bingo! Ele também. Bom. Ele pega um cigarro do maço dele. Procura alguma coisa nos bolsos e diz: "devo ter deixado meu isqueiro no carro. Me empresta seu fogo?". A forma como ele usou "fogo" me deixou inquieta. Minha deusa interior abre um dos olhos, se endireita na cadeira e observa a cena. Gente, ele já tinha usado a palavra isqueiro antes. Porque usou outra pra dizer a mesma coisa? Empresto meu isqueiro-fogo. Ele faz um gesto amplo com o braço indicando o caminho até o escritório. Olho no relógio. "Então, ainda tenho uns vinte minutos. Acho que vou dar uma passadinha numa loja ali em baixo, fiz uma encomenda e queria saber se já chegou. A gente se vê!". Rá. O filho da mãe me olha e diz : "ainda tenho os mesmos vinte minutos. Posso acompanhar você?". Travei. A loja que eu ía dar uma passadinha, é uma conhecida boutique de lingerie. Sim, porque eu sou mulher e mulheres compram calcinhas e sutiãs na hora de seus almoços. Muito, mas muito sem graça, digo a ele que não precisa, que é pertinho, que não quero que ele se atrase por minha conta, suspeito que eu falei tanto, que ele percebeu minha enrolação. E sem pudor nenhum, me solta: "Você vai na boutique?". Engulo a fumaça de uma forma errada e estranha e, claro, começo a tossir que nem um cachorro. Nitidamente sem graça. Não consigo olhar pra ele de novo. Ele percebe isso tudo. E diz então: "desculpa Helena. Muito invasivo da minha parte dizer isso. Não tenho nada a ver com o que você faz na hora do seu almoço. A não ser que você queira saber o que eu faço na minha hora de almoço.". Filho da mãe. Conseguiu toda a minha atenção. Resolvo que o conjunto de lingerie cor de pêssego pode esperar. Olho pra ele enfim. E digo: "O que pode ser mais interessante do que comprar calcinhas na hora do almoço?".

Continua.

Beijo beijo

Helena.


2 comentários:

  1. Acredito que já lhe falei o como gosto do seu estilo de escrita, não é verdade?
    Aguardo ansioso pelo restante, conseguiu me deixar curioso.

    Com carinho,
    Aquele

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  2. Olá Aquele! Passando rapidamente aqui pra te dizer...vai ter continuação! Espere e verá....

    Beijo, beijo
    Helena.

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